Nos comerciais da Friboi na
TV, o roteiro se repete. O ator Tony Ramos faz uma visita-surpresa à casa de um
consumidor, para perguntar qual carne costuma comprar, e encontra um produto da
marca na geladeira. “Carne confiável tem nome”, diz o artista. Quando fiscais
aparecem repentinamente nas unidades da JBS, dona da Friboi, o resultado tende
a ser previsível como a propaganda. Irregularidades e violações de direitos
trabalhistas são tão frequentes que deixaram 7.822 funcionários da empresa
doentes ou incapacitados para o trabalho nos últimos quatro anos. Isso equivale
a cinco acidentes por dia durante todo o período.
Dados inéditos obtidos pela
Pública com o Ministério da Previdência Social, por meio da Lei de Acesso à
Informação, mostram que a JBS foi a campeã em comunicados de acidentes de
trabalho, de 2011 a 2014, somando-se os setores de abate de gado e de
fabricação de produtos de carne. No setor de abate de aves – em que começou a
se expandir nos últimos dois anos, com a compra da Seara e de outros
frigoríficos –, a empresa já subiu para o segundo lugar em 2014 e ficou quase
empatada com a BRF (antiga Brasil Foods).
Com lucro líquido de 2,04
bilhões de dólares em 2014, a JBS é hoje o maior grupo privado do país em
faturamento e a maior processadora de carnes do mundo.
A maioria dos acidentes da
JBS no país ocorreu no setor de abate de bovinos, uma área historicamente
perigosa para os trabalhadores. Foram registrados 4.867 comunicados no total:
1.294 em 2011, 1.225 em 2012, 1.261 em 2013 e 1.087 em 2014. Nesse setor, a
empresa foi responsável por um em cada quatro acidentes informados ao Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2011 e 2013 – cerca de 25% ao ano. Houve
redução de 14% nos comunicados da JBS de 2013 para 2014, mas a empresa ainda
concentrou um em cada cinco acidentes reportados no último ano (21%) e ficou
atrás apenas da Marfrig.
Na área de fabricação de
produtos de carne, foram 506 acidentes reportados em 2011, 262 em 2012, 327 em
2013 e 369 em 2014 (incluindo a Seara, comprada em 2013). Nos quatro anos, a
JBS foi a empresa com maior quantidade de casos. Já no setor de abate de aves,
os incidentes começaram a aparecer em 2012, com a criação da divisão JBS Aves a
partir do arrendamento da Doux Frangosul. Foram 49 comunicados naquele ano. Em
2013, a quantidade subiu para 289. Em 2014, depois da aquisição da Seara, houve
um salto para 1.153 casos.
Ao todo, 3.110 acidentes da
JBS de 2011 a 2014 (39%) ocorreram na Amazônia Legal, principalmente no Mato Grosso.
O estado tem o maior rebanho bovino do país, com 28,3 milhões de cabeças,
segundo a pesquisa Produção da Pecuária Municipal de 2013, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo mantém unidades também no
Acre, no Maranhão, no Pará e em Rondônia. Foram registrados 713 incidentes na
Amazônia Legal em 2011. O número passou para 821 em 2012, 840 em 2013 e 736 em
2014. Apesar das flutuações, foram dois por dia, em média, a cada ano.
Infrações
deliberadas
Os dados fornecidos pelo Ministério
da Previdência Social confirmam a percepção dos procuradores do Ministério
Público do Trabalho que fiscalizam de perto esses setores. “A JBS tem uma
política deliberada de precarização dos direitos fundamentais dos
trabalhadores”, afirma o procurador Sandro Eduardo Sardá, gerente nacional do
Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos. “Isso vem
gerando uma legião de trabalhadores amputados e mortos em razão de acidentes de
trabalho.” O grupo foi criado em 2010 por causa do elevado número de problemas
registrados nesse tipo de empresa.
De acordo com Sardá, a JBS
mantém condições ruins de trabalho para obter o máximo de lucro. Isso é feito
de várias maneiras. Em uma das mais comuns, adota-se um ritmo excessivo – e,
portanto, ilegal – na jornada dos funcionários. “É um ritmo de trabalho
incompatível com a proteção à saúde dos trabalhadores”, diz o procurador. Nos
frigoríficos de aves, isso leva muitos dos funcionários a adquirir doenças
ocupacionais. Nos frigoríficos de bovinos, tem como resultado uma grande
quantidade de amputações.
Uma amostra da extensão do
problema pôde ser vista recentemente. No dia 13 de maio, uma força-tarefa
formada pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, pelo INSS, pela Receita Federal e pela Advocacia-Geral da União
interditou 45 máquinas que apresentavam riscos à saúde dos trabalhadores em uma
unidade de abate de frangos da empresa em Rolândia, no Paraná. Com 4.000
funcionários, a fábrica pertence à Big Frango, adquirida pela JBS no ano
passado, e abate 400.000 frangos por dia.
Entrevistas feitas com 400
trabalhadores durante a operação mostram as consequências de uma jornada
excessiva. Uma parcela de 52,9% dos funcionários ouvidos – ou seja, mais da
metade – admitiu ter tomado algum tipo de remédio, aplicado emplastros ou feito
compressas para poder trabalhar nos 12 meses anteriores. Além disso, 38% deles
disseram sentir uma dor forte durante a realização de suas atividades.
Terminado o dia de trabalho, 75,4% afirmaram ficar cansados (35,1%), muito
cansados (23%) ou exaustos (17,3%).
A força-tarefa escolheu essa
unidade, entre tantas outras, por meio de cruzamentos de dados públicos e
privados. Os procuradores identificaram uma enorme quantidade de consultas
médicas relacionadas ao trabalho no ano passado. Foram 2.033, além de 70.279
atendimentos de enfermagem, equivalentes a 225 por dia nessa fábrica. Já os
afastamentos por doenças osteomusculares ou traumas somaram 6 mil horas em
2014.
Fonte: Portal de Noticias
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