O
presidente Michel Temer sancionou na sexta-feira (31/3) o Projeto de Lei
4.308-E de 1998, que regulamenta a terceirização no país — Lei 13.429.
Entende-se por terceirização a contratação de prestação de serviços entre duas
empresas, em que a primeira (tomadora) remunera a segunda (terceirizada), que
fornece a mão de obra necessária para a realização das atividades da tomadora.
Na
terceirização, a empresa-mãe (tomadora) se beneficia da mão de obra, mas não
cria vínculo com o trabalhador. O vínculo de emprego se estabelece entre a
terceirizada e o trabalhador. Configura-se a terceirização como uma relação
jurídica trilateral entre o obreiro, a terceirizada e a tomadora.
No
cenário atual, a terceirização vinha sendo regulamentada, na Justiça do
Trabalho, pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que reconhecia a
responsabilidade subsidiária da tomadora no caso de inadimplemento das
obrigações trabalhistas, a teor do inciso IV do citado verbete.
Nos
casos de acidente de trabalho, não se trata propriamente da hipótese de
descumprimento do contrato de trabalho pelo empregador, a atrair o
enquadramento da questão, no disposto no item IV da Súmula 331 do TST, segundo
o qual:
O
inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e sociedades de
economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem
também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666/1993).
Diferentemente,
em caso de acidente de trabalho, eventual pedido de reparação por ato ilícito
terá cunho eminentemente civilista (artigo 950 do Código Civil), não se
tratando a hipótese do descumprimento direto do contrato de trabalho pelo
empregador ou pelo tomador dos serviços, ou mesmo de responsabilidade subjetiva
frente à terceirização.
Sobre
o tema, o Código Civil reserva os artigos 927, 932 e 942 para regular o tema. O
caput do artigo 942 determina a responsabilidade solidária de todos aqueles que
concorrem para o ato ilícito que causa danos à vítima, e o seu parágrafo único
deixa claro que a aludida responsabilidade solidária abrange todas as pessoas
designadas no artigo 932, inclusive o empregador ou comitente em relação ao seu
preposto. A legislação consolidada já regulava esse tema, via artigo 455.
Nesse
ponto, vale destacar o entendimento da doutrina acerca do tema em comento:
Quando
o empresário transfere a terceiros a execução de parte da sua atividade, deve
atuar com bastante diligência, escolhendo criteriosamente empresas que tenham
capacidade técnica, econômica e financeira para arcar com os riscos do
empreendimento, sob pena de ficar caracterizada a culpa “in contraendo” ou
culpa “in eligendo”. Deve também, fiscalizar com rigor o cumprimento do
contrato de prestação de serviços e a observância dos direitos trabalhistas dos
empregados da contratada, especialmente o cumprimento das normas de segurança,
higiene e saúde dos trabalhadores, para não ver caracterizada, por sua omissão,
a culpa “in vigilando”. (Oliveira, Sebastião Geraldo. Indenização por Acidente
do Trabalho ou Doença Ocupacional. 4ª Ed., Editora LTr, 2008, p.398)
Conclui
o desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, a respeito da terceirização, que
“essa prática empresarial não pode servir de desvio improvisado ou artifício
engenhoso para reduzir ou suprimir direitos dos trabalhadores, sobretudo
daqueles que foram vítimas de acidentes do trabalho ou doenças profissionais”.
A
jurisprudência dos tribunais, apesar de alguma oscilação, de modo geral, acolhe
a tese de responsabilidade solidária entre a tomadora e a terceirizada (empregadora
direta do obreiro). A presente tese, inclusive, foi objeto de discussão na 1ª
Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, culminando com
a aprovação do Enunciado 44, que diz o seguinte:
44.
Responsabilidade Civil. Acidente Do Trabalho. Terceirização. Solidariedade.
“Em
caso de terceirização de serviços, o tomador e o prestador respondem
solidariamente pelos danos causados à saúde dos trabalhadores. Inteligência dos
artigos 932, III, 933 e 942, parágrafo único, do Código Civil e da Norma
Regulamentadora 4 (Portaria 3.214/77 do Ministério do Trabalho e Emprego)”.
Portanto,
a responsabilidade entre tomadora e terceirizada, nos casos de acidente de
trabalho, deve ser tratada sob a ótica do Direito Civil e, por conseguinte,
reconhecendo a solidariedade entre as empresas.
Na Lei
13.429, sancionada pelo presidente da República, não há qualquer dispositivo
expresso que traga a responsabilidade solidária ou subsidiária da tomadora em
casos de responsabilidade civil por acidente de trabalho.
A lei,
que conta com três artigos, altera dispositivos da Lei 6.019, de 3 de janeiro
de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá
outras providências (artigo 1º); e dispõe sobre as relações de trabalho na
empresa de prestação de serviços a terceiros (artigo 2º) .
O
artigo 1º da Lei 6.019/74 passa a vigorar com a seguinte redação (explicitando
que a lei rege as relações de trabalho na empresa de trabalho temporário e
também na empresa de prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de
serviço):
Art.
1º As relações de trabalho na empresa de trabalho temporário, na empresa de
prestação de serviços e nas respectivas tomadoras de serviço e contratante
regem-se por esta Lei. (NR)
A nova
redação do artigo 2º da Lei 6.019/74 conceitua o trabalho temporário, e o seu
parágrafo 1º veda a contratação de temporário para a substituição de
trabalhadores em greve:
Art.
2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma
empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora
de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal
permanente ou à demanda complementar de serviços.
§
1º É proibida a contratação de trabalho temporário para a substituição de
trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei.
O
parágrafo 2º do atual artigo 2º da Lei 6.019/74 conceitua a demanda de serviços
complementar:
§
2º Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores
imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza
intermitente, periódica ou sazonal.
Os
artigos 4º e 5º estabelecem que a empresa de trabalho temporário e a empresa
tomadora de serviços ou entidades a ela equiparada é pessoa jurídica,
devidamente registrada no Ministério do Trabalho:
Art.
4º Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada
no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à
disposição de outras empresas temporariamente.
Art.
5º Empresa tomadora de serviços é a pessoa jurídica ou entidade a ela
equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário com a
empresa definida no art. 4º desta Lei.
O
artigo 9º determina que o contrato de trabalho temporário será escrito e dispõe
sobre os requisitos básicos:
Art.
9º O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de
serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no
estabelecimento da tomadora de serviços e conterá:
I
- qualificação das partes;
II
- motivo justificador da demanda de trabalho temporário;
III
- prazo da prestação de serviços;
IV
- valor da prestação de serviços;
V
- disposições sobre a segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do
local de realização do trabalho.
Os parágrafos
1º e 2º do artigo 9º preceituam normas sobre condições de segurança, higiene e
salubridade, atendimento médico, ambulatorial e refeição, sempre estabelecendo
a responsabilidade da contratante. Já o parágrafo 3º do artigo 9º dispõe sobre
a possibilidade de o trabalho temporário versar sobre atividades-meio e
atividades-fim:
§
1º É responsabilidade da empresa contratante garantir as condições de
segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for
realizado em suas dependências ou em local por ela designado.
§
2º A contratante estenderá ao trabalhador da empresa de trabalho temporário o
mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus
empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela
designado.
§
3º O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de
atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de
serviços.
O
artigo 10 explicita a inexistência de vínculo de emprego entre o trabalhador e
a tomadora:
Art.
10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe
vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de
trabalho temporário.
Os
parágrafos 1º e 2º do artigo 10 estabelecem os prazos de duração do contrato de
trabalho temporário; o parágrafo 4º, a inaplicabilidade do contrato de
experiência; e os parágrafos 5º e 6º, a hipótese de caracterização de vínculo
empregatício com a tomadora:
§
1º O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não
poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não.
§
2º O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não,
além do prazo estabelecido no § 1o deste artigo, quando comprovada a manutenção
das condições que o ensejaram.
§
3º (VETADO).
§
4º Não se aplica ao trabalhador temporário, contratado pela tomadora de
serviços, o contrato de experiência previsto no parágrafo único do art. 445 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de
1o de maio de 1943.
§
5º O trabalhador temporário que cumprir o período estipulado nos §§ 1o e 2o
deste artigo somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de
serviços em novo contrato temporário, após noventa dias do término do contrato
anterior.
§
6º A contratação anterior ao prazo previsto no § 5o deste artigo caracteriza
vínculo empregatício com a tomadora.
O
parágrafo 7º estabelece de forma expressa a responsabilidade subsidiária da
contratante pelas obrigações trabalhistas e recolhimentos previdenciários:
§
7º A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas
referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário, e o recolhimento
das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº
8.212, de 24 de julho de 1991.
O
artigo 4º-A, caput e parágrafo 1º, conceitua a empresa prestadora de serviços,
e o parágrafo 2º explicita a inexistência de vínculo de emprego entre o
trabalhador e a tomadora:
Art.
4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito
privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
§
1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho
realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para
realização desses serviços.
§
2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das
empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa
contratante.
O
artigo 4º-B estabelece os requisitos para o funcionamento e o registro da
empresa de prestação de serviços a terceiros:
Art.
4º-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a
terceiros:
I
- prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
II
- registro na Junta Comercial;
III
- capital social compatível com o número de empregados, observando-se os
seguintes parâmetros:
a)
empresas com até dez empregados — capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil
reais);
b)
empresas com mais de dez e até vinte empregados — capital mínimo de R$
25.000,00 (vinte e cinco mil reais);
c)
empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados — capital mínimo de R$
45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);
d)
empresas com mais de cinquenta e até cem empregados — capital mínimo de R$
100.000,00 (cem mil reais); e
e)
empresas com mais de cem empregados — capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos
e cinquenta mil reais).
O
artigo 5º-A, caput e parágrafos 1º e 2º, e o artigo 5º-B estabelecem os
requisitos para o contrato de trabalho de prestação de serviços a terceiros:
Art.
5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com
empresa de prestação de serviços determinados e específicos.
§
1º É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades
distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de
serviços.
§
2º Os serviços contratados poderão ser executados nas instalações físicas da
empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes.
Art.
5º-B. O contrato de prestação de serviços conterá:
I
- qualificação das partes;
II
- especificação do serviço a ser prestado;
III
- prazo para realização do serviço, quando for o caso;
IV
- valor.
Os
parágrafos 3º e 4º do artigo 5º-A preceituam normas sobre condições de
segurança, higiene e salubridade, atendimento médico, ambulatorial e refeição,
sempre estabelecendo a responsabilidade da contratante:
§
3º É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança,
higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em
suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.
§
4º A contratante poderá estender ao trabalhador da empresa de prestação de
serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos
seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela
designado.
O
parágrafo 5º estabelece de forma expressa a responsabilidade subsidiária da
contratante pelas obrigações trabalhistas e recolhimentos previdenciários:
§
5º A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações
trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o
recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31
da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.
A lei
em vigor não altera de modo significativo a sistemática da responsabilidade
civil em casos de acidente de trabalho, permanecendo íntegros os dispositivos
legais aplicáveis, quais sejam artigos 927, 932 e 942.
Conclui-se,
portanto, que, ainda que a Lei 13.429/2017 amplie expressivamente a
terceirização, caberá à Justiça do Trabalho “aparar as arestas”, ou seja,
limitar os abusos.
A
controvérsia acerca da responsabilidade solidária entre a tomadora e a
terceirizada não foi suplantada pela nova lei, que não trata de forma expressa
sobre as hipóteses de reparação civil em decorrência de acidentes do trabalho.
Tal
qual a Súmula 331 do TST, a responsabilidade subsidiária prevista no parágrafo
7º do artigo 10 e no parágrafo 5º do artigo 5º-A se refere a obrigações
trabalhistas, ou seja, à hipótese de descumprimento do contrato de trabalho
pelo empregador.
Entretanto,
em se tratando de reparação civil decorrente de acidente de trabalho por ato
ilícito praticado, seja pela empregadora, seja pela tomadora, a questão deverá
ser analisada à luz das normas civilistas, que determinam a responsabilização
solidária de todos aqueles responsáveis pela causação do dano.
Por
Leonardo Amarante – Advogado especialista em responsabilidades civil
Fonte:
Consultor Jurídico
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário ou dúvida, que entraremos em contato!